Tonho Crocco segunda feira de primeira por João Xavi


Multidões já cantaram em altos brandos que “todo mundo espera alguma coisa de um sábado à noite”. Dizem ainda que “a voz do povo é a voz de Deus”. Se estas duas afirmações são verdadeiras elas se complementam e eu, diante de tanta magnitude, as aceito de bom coração. Acredito de verdade que os embalos de sábado à noite tem mesmo um tempero em especial. Mas e de uma segunda-feira em pleno inverno carioca, o que se pode esperar?

Os termômetros que costumam pingar de suor apontavam desafiantes 14° graus, temperatura que inspira qualquer típico morador da Cidade Maravilhosa a se enjaular e permanecer debaixo das cobertas dentro da própria toca. Ignorei o frio, e devidamente encasacado parti em direção ao Cinematèque Jam Club. O bar no bairro de Botafogo foi, ironicamente, aquecido por um gaucho! Tonho Crocco é o nome do “heating” que devolveu ao Rio o calor à medida que a terrinha está acostumada.

Tonho passou os últimos 17 anos atuando como cantor e compositor da Ultramen, banda com a qual realizou 5 discos e inúmeros shows. Com o fim da banda o vocalista mudou-se para Nova Iorque onde, sem planejamento prévio, acabou cometendo seu primeiro trabalho solo: Teto Solar. De volta ao Brasil, o gaudério não parou e segue ainda no estilo sem querer querendo colocando o nome no mapa e o som nas orelhas mais atentas.

No show que fez aqui no Rio, Tonho apresentou toda (boa) nova safra de composições, não deixou de lado as faixas mais swingadas da época do Ultramen, clássicos do rock gaúcho como “Amigo Punk” e ainda recheou o set-list com versões de sons inusitados dos óbvios, porém inescapáveis, Rei (Jorge Ben) e Príncipe (Bebeto) do Samba-rock. A celebração ocorreu em tão alto-nível que acabou inundando a pista do modesto Cinematèque de uma energia pra lá de positiva. Resultado: cariocas, gringos e gaúchos (boa parte do público presente) dançaram até o termômetro e os pés dizerem chega! Voltei pra casa de coração satisfeito, sorriso aberto e uma imensa sensação de alívio que só me permitia pensar: _ Puta que pariu! Ainda bem que saí de casa nesta noite!

Alguns dias depois reencontrei Tonho Crocco no Clandestino, clube onde faria um DJ-set, e numa típica conversa de boteco Tonho falou dos tempos de Ultramen, das peripécias para sobreviver em Nova Iorque, do impacto da viagem em seu novo trabalho, Fela Kuti, Baben Powell… Ficou curioso? Puxe uma cadeira, peça uma bebida e acompanhe o bate-papo. Um brinde ao bom som, Saúde!

NOIZ :: Pra começar do começo, como foi a sua história com a música? Antes de ter a primeira banda, de fazer música, como a música chegou pra você?
TONHO CROCCO :: Resumão, né? Eu queria ser desenhista, minha piração era o desenho. Ai minha mãe viu o meu dom artístico e me botou numa aula de iniciação de música. Eu comecei a aprender flauta doce no colégio mesmo. Depois eu entrei no coral do colégio, isso eu tinha 12 anos de idade, era mais ou menos 1984. Foi só com 16 que eu comecei aprender a tocar violão e gaita de boca, tudo ao mesmo tempo em Porto Alegre. Minha mãe viu que eu gostava de arte em geral, mas daí quando eu comecei a ter aula de música eu abandonei o desenho e veio isso tudo: flauta doce, gaita de boca, violão. Aos 18 anos eu entrei no Ultramen, foi minha primeira banda. E aí seguimos o baile…

NOIZ ::: Ouvindo a Ultramen eu sempre me liguei que havia duas linhas no seu trabalho vocal. Rolava a coisa de MC e de cantor, o que não é muito comum por aqui. Como era trabalhar nessas duas direções?
TC :: Difícil, né cara? Geralmente o cara que canta não sabe improvisar, pode até cantar um RAP, mas de repente não tem os trejeitos, não tem aquela desenvoltura. Eu fui aprendendo violão, as músicas fácies pra tocar no violão, Raul Seixas, Os Paralamas…sei lá! E ao mesmo tempo meus amigos assim: “Bah! Ouve isso aí, tem que ouvir a novidade que é o RAP. Tu já ouviu isso ai? Thaíde, Racionais, MC Jack?” Tinha aquela coletânea em vinil O Som das Ruas, né? Os Metralhas, essa galera de SP. E lá no Sul também tinham uns grupos…
As músicas de RAP geralmente são batida e voz, não dá pra tocar no violão. Mas ao mesmo tempo, que eu estava aprendendo música clássica, teórica, melodia, comecei a aprender uma coisa que não existia em nenhum lugar, só na rua ou pra quem tava comprando os vinis e gravando as fitinhas K7. Ai eu comecei a decorar as letras, depois fazer minhas letras e só depois comecei a improvisar. Foi uma longa história e é um diferencial também. Eu tenho certeza disso. É mais raro ainda músicos que cantam, sabem improvisar, rappear, né? E ainda compõem e tocam um instrumento. Eu sempre curti esse lado, sou um cara que estudou leitura musical. Posso demorar três horas mais eu tiro toda partitura ali, tenho consciência disso, mas eu acho que isso se deve a um estudo. E foi prazeroso pra mim, não foi ruim aprender música. Tem uns que acham um saco estudar, eu acho bacana aprender, estudar música. Seja ela mais clássica ou de rua.

NOIZ ::: Como foi a vivência com o Ultramen, essa história de 17 anos de banda trilhando um caminho meio independente?
TC :: 17 anos sem ter estourado, né? Na verdade, estourou quando o Falcão (O RAPPA) participou da “Dívida”. E ai a banda acabou. Vou começar pelo fim, né? A gente parou na hora certa, a gente parou quando tava lá em cima e quando a coisa começou a rolar demais até. Mas no começo foi minha primeira banda, eu tinha 16, 17 anos, e a banda foi tocar ao vivo só um ano depois. A gente começou amigos e terminamos amigos. Começamos juntos e terminamos juntos. Foi do caralho, foi lindo, 17 anos, 5 discos autorais. Independente a gente não era, mas a gente sempre esteve em gravadoras independentes. Foi o caso da Rock It (selo de Dado Vila Lobos), A Sum Records, a Antídoto lá de Porto Alegre. O “Acústico das Bandas Gaúchas” da MTV sim foi lançado pela Sony, e ai que a coisa começou a ficar estranha. A gente, claro, sempre quis mais, almejou sonhos e teve planos. Mas a gente foi muito feliz nestes 17 anos. Acredito que hoje em dia é possível sim viver no Brasil sendo um bom músico e não estando na mídia, mas tendo as pessoas certas ouvindo seu som e indo no seu show. Porque o grande resumo é esse, né? É a pessoa que ouve tua música, seja gravação ou ao vivo. Estes são os dois jeitos, não tem como cheirar a música ainda. E nisso a Ultramen fez tudo certo, a gente fez bons shows, gravamos bons discos tomando muito cuidado com a sonoridade, e acho que a galera respeita muito a banda por causa disso.

NOIZ ::: Lendo aquele livro “Gauleses Irredutíveis – Causos e atitudes do Rock Gaúcho”, fica claro que existe uma tradição forte de rock no estado, mas a Ultramen sempre foi mais do que uma banda de rock…
TC :: Esse é mais outro trunfo da gente. Na época que todo mundo tava fazendo rock gaúcho, só uma breve explicação, os anos 80 foi o último grande boom do rock brasileiro e o RS entrou com bandas como Engenheiros do Havaí, Nenhum de Nós. Coisas boas também como De Falla, TNT, Cascavelhetes, Garotos da Rua, um monte de gente! Mas depois nos anos 90 parece que nada aconteceu. A gente sempre ouviu essas bandas, mas não queria ser que nem eles. Elas continuam num lugar sagrado pra gente.
O gaúcho parece um pouco com o argentino por ter uma relação de loucura com o rock! Coisa que não tem como explicar. Talvez por ter uma colonização mais européia, e menos miscigenada como o resto do Brasil. Mas a gente tentou fugir um pouco disso. Eu gostava, mas não queria fazer rock gaúcho. O próprio Cachorro Grande hoje em dia é Beatles e Stones. Mas se os gringos têm Lenon e Mac Cartney a gente tem Vinícius e Tom. A gente (a Ultramen) começou a ouvir Tim Maia, Jorge Bem, sambas gaúchos como Lupicínio Rodrigues, Luis Vagner, Pau Brasil, Bedeu, muito reggae, coisas que nenhuma banda até então tinha feito, assim da forma como a gente fez. O próprio Luis Vagner foi o primeiro a gravar reggae no Brasil, eu acho. Mas a gente misturou tudo isso, até com rock gaúcho a gente misturou e isso foi o nosso diferencial: fugir um pouco de tudo que é padrão pra galera daquela época e daquele lugar.

Por: Joao Xavi

Otimaa reportagem o brigado NOIZ e giselecoutinho


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